EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos
Do Meu Banquinho 
 
Adoro sentar-me em um dos banquinhos espalhados pelo centro histórico ou por outras locações  de Petrópolis, e ficar apenas observando. A gente vê coisas bonitas, engraçadas, corriqueiras, especiais, terríveis... enfim, vê-se todo tipo de coisa. Eis algumas das que vi, coletâneas de algumas horas – em dias diferentes – sentada nos banquinhos das ruas e praças petropolitanas:
 
Praça D. Pedro, depois do almoço: Aparentando quinze ou dezesseis anos de idade, a  mocinha linda, de longos cabelos, despede-se do namorado atrás de um banco onde está sentado um tiozinho, que não os vê. O namorado vai embora, e ela senta-se ao lado do tiozinho, as longas pernas cruzadas, passando a olhar o celular. Ela é linda e muito charmosa, e logo desperta a atenção do tiozinho, que passa a dar olhadelas cada vez mais longas na direção da moça. Ela percebe, e de brincadeira, começa a incentivá-lo, trocando alguns olhares com ele. Joga o cabelão para lá e para cá, ajeita-se de forma que as pernas apareçam mais. O tiozinho está quase enfartando. De repente, ela inclina o corpo na direção dele para descruzar as pernas, e posso ver algumas mechas do seu cabelo roçando de leve o rosto dele. Ele fica azul de entusiasmo, e então, ela descruza as pernas, levanta-se do banquinho e segue adiante, passando bem na cara dele sem olhar para trás. O tiozinho quase desmaia de frustração, e logo vai embora também. Pensou que ia ganhar a gatinha?

Dezesseis de Março: Passa uma moradora de rua, muito conhecida por aqui. Ela está sempre sozinha, usa óculos de lentes grossas e parece ter algum problema mental. Ela para na frente de uma vitrine de joias caras, e passa a observar longamente anéis, pedras preciosas e pulseiras. Penso que ela deve estar fantasiando usar uma delas, pois sorri de um jeito que me faz notar que ela está em mundo que é só seu, onde ela é princesa e usa todas aquelas lindas joias.

Ainda na dezesseis de março: Uma mulher bem vestida e de boa aparência. Ela passa na calçada gritando e agitando os braços, dizendo que quer morrer. Também parece ter algum problema mental. Ela é de meia-idade, está limpa e tem cabelos bem cuidados. A garganta se enche de veias grossas quando ela grita, e os olhos estão injetados. Desespero? Solidão?

Praça D. Pedro outra vez: Senta-se um senhor com uma garrafa de cerveja em um isopor e dois copos. Ele enche um dos copos, e espera. Minutos depois, senta-se um outro homem ao lado dele. O da cerveja puxa conversa, e logo ambos estão conversando. Sobre o que será que eles falam? Não sei. Mas logo, o homem da cerveja enche o outro copo e o oferece ao recém-chegado, que aceita.  Eles continuam conversando, até que a garrafa está vazia, e ambos vão embora, cada um para um lado.

Rua do Imperador: O rapaz que se veste de anjo chega para começar seu dia. Já tem o rosto, braços e mãos pintados de branco, e começa a vestir seu traje de anjo e finalmente, as asas de papelão e espuma. Ajeita-se sobre o pequeno altar, mas não sem antes colocar uma música suave para tocar em sua caixinha de som portátil, e disponibilizar uma outra caixa de madeira para que as pessoas coloquem algum dinheiro. Assume sua posição de anjo-estátua, e quando alguém joga algum dinheiro na caixinha, ele se move lentamente, retirando do bolso um papelzinho que contém uma mensagem, e entrega à pessoa, agradecendo com um aceno de cabeça. Eu sei que é uma mensagem, porque já recebi uma de suas mãos. 

Perto de um sinal de trânsito – O malabarista se posiciona, segurando seus bastões, enquanto espera o sinal fechar. Assim que ele fecha, o rapaz de cara pintada e roupa de palhaço vai para o meio da rua, e começa a sua performance que dura alguns segundos. Depois, agradece e antes que o sinal abra, vai de carro em carro pedindo uma colaboração – que poucas pessoas dão. Ele é jovem, e está longe de casa - tem sotaque estrangeiro. Por que será que veio de tão longe?

Itaipava – Lá vem o moço do aipim. E dos limões. E das tangerinas. Ele é idoso, muito magro e quase já não tem dentes. Carrega nos ombros um saco com uma dessas três coisas que eu citei, e quando se ajoelha no chão diante de quem está sentado tomando um sorvete ou olhando o movimento, começa a desfiar a sua história, em frases desconexas: “Vim de longe... ainda não comi nada... trouxe da fazenda... colhi hoje de manhãzinha... trabalho desde madrugada... tenho patrão... trabalho na roça debaixo do sol forte... não tenho nem uma moedinha...” E de nada adianta dizer que hoje você não quer, obrigada, deixa para uma próxima vez, pois ele só vai sair depois de contar a sua história várias vezes sem obter resultado algum. E a cada vez que a conta, ele vem de um lugar diferente, e vende alguma coisa diferente. Mas seu olhar sofrido é sempre o mesmo. E lá vai o moço do aipim, dos limões e das tangerinas, com seu saco encardido no ombro debaixo do sol quente, de volta para Sardoal, Areal, ou São José do vale do Rio Preto, ou...

E todos esses personagens ficam girando na minha cabeça, me pedindo para contar suas histórias. 






 
 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 12/02/2017
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