Um grito,
Mas um grito alegre e caseiro
Chamando para o almoço,
No meio-dia das cigarras.
As tardes de farras
Em frente a TV,
Sessão da Tarde,
Elvis,
Feitiço Havaiano,
Leite condensado,
Doce de abóbora.
Conversas ao muro,
E a faquinha de cozinha
Presa à cintura,
E que sumia, de repente...
Crianças eram culpadas?
-Até que a faquinha
Reaparecia
Nalguma beirada.
Sábados de feira,
As bolsinhas de retalhos
Coloridos, emendados,
Frutas, legumes, verduras,
Ônibus lotados
(Às vezes, o taxi)
Brincar na rua
À luz da lua...
Pique-esconde, queimado,
Polícia-e-ladrão,
Balas, guaraná
(No céu: um balão!)
"Vem tomar banho,
Vem jantar,
Fazer a lição!"
Noites de sábado
Vizinhos em volta,
Televisão,
Café com leite,
Queijo no pão...
Primeira Exibição
Na TV preta e branca
Sessão Coruja
Madrugadas estreladas,
Capim deitado nas colinas
Brilhando
Na noite enluarada.
Domingos de festa,
Macarronada com purê,
Refrigerante
-Quem vai arrumar a cozinha?
Eu lavo, ela enxuga,
Descobrem mais uma ruga,
Rusgas no fim de tarde,
Sentados no alpendre,
Meu pai e laranjas,
Cascas onduladas no chão,
"Doce como mel!"
Vizinhas,
Rinhas,
Intriguinhas,
Pazes feitas,
Refeitas,
Amizades
Que não se desfaziam
Por causa de um fio puxado,
Mas que eram para sempre...
Todos, apenas, gente.
Véspera de Natal...
Vidraças da cozinha embaçadas,
Pudins, vinho, rabanadas,
A árvore colorida no canto da sala,
canções de natal pela Rádio Difusora,
Embrulhos de presentes, fitas,
"Aonde anda a minha tesoura?"
A vida era simples assim:
"Olhe as crianças para mim,
Enquanto vou ali?"
"Olho, mas por favor,
Traga um quilo de açúcar?"
"Quer umas uvas?"
"Empresta um biquine?"
"Vamos brincar
De cantar?"
Vamos, vamos, brinquemos de cantar,
Enquanto tudo é doce,
Inocente,
Nada muda,
Pois é assim mesmo
Que deveria ficar, para sempre...