EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
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PLATÔNICO


Desde o primeiro dia, Perla tinha plena consciência de que estava diante do amor de sua vida, e que nunca mais alguém conseguiria empanar o brilho de Jonas. Quando o viu pela primeira vez, tinha apenas dezesseis anos de idade,  e ele, vinte. Conheceram-se em uma festa, em casa de amigos. Recém-chegado na cidade, ainda procurava por um apartamento que pudesse alugar. Conversaram por apenas alguns poucos minutos; a casa estava cheia, e como tinha proposto a ajudar a amiga com os convidados, Perla teve que cumprir o prometido.  Finalmente, já quase no finalzinho da noite - talvez pela insistência dos olhares dela, e pelo 'empurrãozinho amigo' de uma de suas colegas, quando  Jonas chamou-a para dançar, Perla sentiu seu coração incendiar-se!

 

Foram apenas três minutos - o tempo que durou a música que tocava. Infelizmente, depois daquela música, a festa terminou, junto com os primeiros raios de sol. Jonas caminhou com ela até sua casa, e despediu-se. Ela ficou à porta, olhando-o, o coração enlevado, até vê-lo desaparecer na curva do caminho.

 

Logo Jonas passou a frequentar aquele grupo de amigos, do qual Perla já participava há anos. Perla sempre alimentava a esperança de que um dia, Jonas a amaria como ela o amava. Um dia, ela roubou-lhe um beijo. Ele correspondeu, mas quando se separaram, o olhar dele para ela era tão confuso, que Perla pediu-lhe desculpas. Jonas ficou totalmente sem-graça, e disse a ela que estava tudo bem.

 

Depois daquele evento, Perla manteve, durante muitos dias, a esperança de que tinha conseguido mexer com alguma coisa dentro dele, pois de vez em quando, durante as conversas com o grupo de amigos, ela o surpreendia olhando-a. Correspondia-lhe o olhar, que ele sustentava durante um curto espaço de tempo, e após um sorriso breve, ele desviava os olhos.

 

Ela fazia de tudo para encorajá-lo, embora fosse uma moça bastante tímida. Usava suas melhores roupas quando sabia que estariam juntos, gravava para ele suas músicas preferidas, colocando-as em um pendrive que de vez em quando ele pedia que ela atualizasse, ajudava-o a escolher, quando ele saía para comprar roupas. Jamais dizia que não podia atendê-lo, caso ele solicitasse sua ajuda, e desmarcava qualquer compromisso se ele a chamava.

 

Mas Jonas não ia adiante. Simplesmente, não ia adiante! Apesar das trocas de olhares, dos sorrisos, do coração dela que doía e disparava sempre que ele estava por perto, nada acontecia... apesar das tentativas de 'ajuda' por parte de alguns colegas, Jonas não investia. E Perla ficava cada dia mais louca por ele.

 

Certa vez, ele trouxe uma amiga para juntar-se ao grupo. Os dois passaram a noite de mãos dadas, conversando baixinho de vez em quando. A mão de Jonas no ombro da moça parecia ter o poder de arrancar pedaços do coração de Perla, que fez de tudo para que ninguém percebesse a sua tristeza: organizou jogos, contou piadas, serviu drinks preparados por ela mesma. Não podia deixar sua desgraça transparecer. E quando uma de suas amigas perguntou-lhe se estava bem, Perla suspirou fundo, e apenas caiu nos braços dela em um choro convulsivo e sem esperanças. Passado o desabafo, enxugou os olhos e, apoiada pela amiga, voltou à sala, sorrindo.

 

Acontece que o relacionamento entre Jonas e a tal moça, durou pouco. Logo depois de terminar com ela, Jonas apareceu com uma outra jovem, e meses depois, outra. Perla acabou acostumando-se com seus relacionamentos, e dizia a ela mesma que eram sem importância; ele estava apenas se preparando para ser dela, somente dela! Antes, como todo jovem, queria ter tempo para viver um pouco mais a sua liberdade.

 

Jonas tinha por Perla um enorme carinho... de amigo! Trocavam confidências, e ele lhe falava de suas namoradas. Ela ouvia tudo, e o aconselhava, como uma boa amiga deveria fazer. Sabia que não precisava preocupar-se, pois ele a amava: só precisava admitir para si mesmo!

 

Mas os anos foram passando, e finalmente, Jonas casou-se. Foi uma decisão repentina, e Perla mal pode conter sua tristeza quando, durante uma das reuniões, ele anunciou o casamento. Ela chorou, dizendo que era de alegria por ele, mas por dentro, estava arrasada!  Mais ainda depois que foi convidada para ser uma das damas de honra.

 

Muitos anos depois, a situação de Perla não mudava. Aos quase trinta anos de idade, nunca conseguira interessar-se realmente por ninguém. Teve apenas alguns relacionamentos sem importância, que duraram pouco. Chegou a dividir um apartamento com um namorado durante um ano e meio, mas não deu certo, pois ele cansou-se de seus momentos de longa introspecção - total indiferença em relação a ele. Acabou percebendo, devido às atitudes dela, que Perla era apaixonada por Jonas.  E ela continuava amando Jonas, do que todos sabiam, mas ela acreditava que o amava em segredo. Foi madrinha de seu primeiro filho. Ajudava sua esposa a preparar as festinhas de aniversário do menino. Ficaram boas amigas. Perla passou a gostar, sinceramente, de sua rival.

 

Até que, depois de quase seis anos de casamento, Jonas divorciou-se dela.

 

Numa noite de chuva, Perla despertou com batidas à sua porta. Ao abrir, deparou com Jonas. Ele parecia estar um pouco embriagado e muito infeliz, e jogou-se nos braços dela, chorando muito. Surpresa, ela convidou-o a entrar, serviu-lhe uma boa xícara de café e acomodou-o ao seu lado, na cama  (o sofá era pequeno demais). Ele adormeceu em seus braços, e Perla passou a noite em claro, desfrutando aquele momento: o toque dos cabelos dele, ainda úmidos pela chuva, roçando seu queixo; o perfume que ela sentia há tantos anos, e que a inebriava; o som leve da respiração dele. A sensação do peso da mão dele descansando sobre a sua cintura. Parecia estar vivendo em um sonho!

 

Quando a manhã chegou, ela levantou-se e preparou-lhe um lauto café da manhã. Enquanto colocava a mesa, ela deparou com Jonas encostado à porta da cozinha, ainda meio-descabelado, olhando para ela. Perla pensou: "É agora! Ele vai dizer que me ama!"

 

Ela largou o pires que segurava, enquanto via ele caminhar em sua direção, sentindo-se em estado de puro êxtase. Ele segurou-lhe as mãos, dizendo:

 

-Perla, como você pode estar sempre tão bem arrumada, tão bonita, a qualquer hora do dia?

 

Ela sorriu, encolhendo os ombros. Sentiu-se corar. Perguntou-lhe:

 

-Bem, Jonas, e agora, vai me contar o que aconteceu que o deixou daquele jeito ontem à noite?

 

Ele suspirou fundo, beijando-lhe as mãos. Ainda segurando-as, ele continuou:

 

-Há quanto tempo somos amigos? Nossa!... Acho que há uns... dezoito anos?...

-Por aí...

-E sabe, Perla, existe uma coisa sobre mim que eu nunca percebi antes... alguns dos meus amigos me diziam, mas eu negava. Como poderia admitir?... Mas ontem à noite, aconteceu. A ficha caiu! Depois de todos esses anos, a ficha finalmente caiu.

 

Ela mal podia respirar! Ele segurava-lhe as mãos, olhando bem dentro dos olhos dela.

 

-Era por isso que meus relacionamentos não davam certo: eu estava escondendo de mim mesmo esta verdade. Como pude?... Olha, Perla, quero que você me desculpe; afinal, somos tão amigos há tantos anos! Eu nunca contei nada a você, simplesmente porque eu mesmo não sabia... ou negava, não sei.

 

Ela parecia flutuar em uma nuvem de vapor perfumado, em direção ao paraíso. Lá estavam os anjos e suas harpas! Os passarinhos cantavam lá fora, e o sol furava as nuvens na manhã ainda perfumada pela chuva da noite anterior. O cheirinho de café circulava pela casa, a casa onde, dali em diante, haveria sempre a presença dele. Para sempre. Para todo sempre! Ela o encorajou:

 

-Diga, Jonas. O que você descobriu?...

 

Ele levou as mãos dela ao rosto dele, e ela sentiu um arrepio quando ele derramou uma lágrima, que  caiu sobre seu dedo mínimo. Respirando fundo, enquanto ainda tinha seu rosto entre as mãos de Perla, Jonas finalmente confessou, com a voz tremida:

 

-Eu sou gay!


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Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 06/03/2013
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