A manhã me trouxe o frio, preso ao canto vítreo dos pássaros e pendurado em um raio de sol. Gotas cristalinas debruçam-se no abismo sob as folhas, desejando a queda. Refletem a paisagem, que torna-se minúscula e multifacetada. Quando elas caem, caem partes do mundo que me cerca.
Por todo lado, a umidade fresca da manhã, o orvalho que formou-se sobre todas as coisas, como as esperanças que nascem junto com o dia.
Abro as janelas da casa, e deixo entrar o frescor, que invade canto por canto, despertando os fantasmas da noite ainda adormecidos que, ressentidos, se vão. O sol reflete-se no cristal pendurado à janela, enchendo de luz e de cor as paredes da sala. As partículas de arco íris dançam felizes, conforme o vento balança o cristal.
Chegam os pássaros, à procura de comida; pousam sobre as bananas deixadas nos comedouros, atacando-as sem piedade. Às vezes, eles emitem trinados de ganância, e algumas penas perdidas vão pousar no gramado; nunca mais voarão. Perderam-se para sempre das asas. Olho-as com tristeza, pois nada pode ser mais dolorido do que ser pena e não poder voar.
Chegam os imensos jacus, com seus brados desafinados, cortando a manhã ao meio; o sol já está longe do horizonte. Aos poucos, a paisagem vai tornando-se mais seca e mais morna. O mercúrio se move nos termômetros da varanda, e os sinos de vento começam a abençoar a brisa.
Ouço as portas das casas dos vizinhos abrindo e fechando. Ouço-os partindo em seus carros para mais um dia de trânsito e trabalho. A vida começa a tomar jeito de vida; não da vida que deveria ser, mas da vida que fizemos.
A manhã será perdida dentro das paredes cinzentas dos escritórios; a hora do almoço vai chegar, e as pessoas farão rápidas refeições sem sabor, e nem perceberão se chove ou faz sol. Depois, voltarão às suas mesas de trabalho, onde não verão a tarde passar, e esperarão, ansiosos, pela hora da partida, para que possam chegar às suas casas, desperdiçar a noitinha e finalmente, jogar seu cansaço sobre os travesseiros, até que uma nova manhã nasça.