Gosto das tardes chuvosas quando não preciso sair; mas Latifa, minha cadela, fica entendiada. São tantos resmungos e suspiros, que aproveitei o cancelamento das aulas (dezembro é sempre assim) e coloquei o colchãozinho dela na sala de estar e ficamos lá a tarde toda. Um bom filme na TV, sobre uma menina de dezessete anos solitária e 'dark', que usava muitos piercings , e estava sempre de preto . E é claro, não conseguia encaixar-se em sua família. Mas tudo muda em sua vida quando ela começa a trabalhar em uma loja, mas com a condição de mudar um pouco o visual, e faz amizade com o gerente, um homem solitário de quarenta e nove anos totalmente careta. Os dois acabam vivendo um amor platônico, só de alma, sem jamais se tocarem.
A comédia inicial transforma-se em um denso drama quando descobrimos que a menina tem um segredo: ela costuma cortar-se com uma gilete. E descobre que seu amigo sofre de leucemia e está com os dias contados.
Saio do sofá, e vou deitar lá no chão com a Latifa. Nós duas ficamos olhando a chuva através da porta aberta da sala. Parece um pó molhado. Ela estica a pata e a põe sobre o meu braço. Olho para ela, e ela está com aquela cara de cachorro feliz e realizado. Eu fico deitada de bruços, rosto apoiado nas mãos, e nós duas reclamamos do mau tempo. Ela solta um grunhido, e me empurra para fora dos seu domínios com as patas. Volto a sentar-me no sofá, e quando olho para ela, vejo que está dormindo profundamente.