CONVERSA COM CECÌLIA
Me disseram, Cecília,
Que a poesia
Não passa de um amontoado
De métricas e rimas,
E que é proibido
Mostrar nela sentimentos,
Verdades, tristezas
Ou falar de íntimas alegrias .
Me disseram, Cecília,
Que eu me desnudo demais,
Me exponho demais,
Me mostro demais,
E que isto,
Não é poesia.
Me disseram, Cecília,
Que poesia não é desabafo,
Não é cantoria
Do que de bom ou ruim
Nos acontece.
Mas eles a leram, Cecília?
Deitaram a alma sobre os teus versos
(Ao invés de apenas percorrem, com os olhos,
As tuas linhas),
Ouviram teu coração quebrado
Além do alinhado das rimas?
-Não?!
Agora eu entendo melhor
As mil pessoas de Fernando,
E os muitos sapos que coaxaram
No poema de Bandeira,
E o porquê Drummond desejou tanto
Ser gauche na vida!
Quem sabe,
Sentiram na pele
A poesia incompreendida,
A poesia que conversa
Sobre as faces e os nomes,
Retratos da vida, Cecília...
Poema de Sete faces - Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Obs: "gauche" é uma palavra francesa que significa desajeitado, acanhado, deslocado ou simplesmente esquerda.
Os Sapos, de Manuel Bandeira
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...