EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos
Do meu blog "Histórias", apresento

O Poeta e o Anjo


 
 
 
 
 
Havia um poeta muito pobre, que vivia em um pequeno quarto de pensão e passava por muitas dificuldades na vida. Tivera uma grande desilusão amorosa recentemente, e perdera também o emprego na mesma época. À noite, enquanto olhava para o teto seguindo as linhas da marca de umidade que mais parecia um rosto que o olhava, o poeta sonhava acordado com uma vida melhor, pois logo seu dinheiro acabaria e ele não poderia sequer pagar pelo aluguel daquele quarto pequenino e fétido. O poeta sonhava com o dia em que publicaria um livro de poemas e se tornaria rico.
 
Certa noite, após chegar um pouco embriagado de um encontro com amigos, um sarau de poesias - única ocasião em que ele esquecia-se de seus problemas -ele deitou-se na cama sentindo-se um pouco nauseado, e verbalizou a seguinte frase: "!Daria tudo para ter uma vida melhor e nunca mais precisar preocupa-me com dinheiro." Após um longo suspiro, ele adormeceu. Despertou na manhã seguinte, ainda um tanto nauseado, e passou a mão sobre o rosto barbado. Procurou no teto a conhecida mancha de umidade, e ficou olhando para ela sem saber como iria fazer para arranjar dinheiro para o café da manhã. Mas de repente, ele teve uma surpresa: aos poucos, percebeu que a mancha tomava o formato de um rosto que ele conhecia não sabia de onde, com olhos levemente amendoados e azuis, a pele alva e ... um par de asas. Sim,havia um par de asas! Assustado, ele sentou-se na cama, esfregando os olhos, achando que estava sendo vítima de um delirium tremens tardio. Olhou para o teto, e viu que a tal mancha tomava também um corpo, que se movia e se esticava em direção a cama, saindo do teto batendo as enormes asas que exalavam um doce perfume.
 
O poeta deu um grito abafado, levando as mãos à boca. A estranha e bela figura andou em volta dele, examinando o quarto, balançando a cabeça em sinal de desaprovação. Disse: "Você merece coisa melhor, amigo."
 
O poeta murmurou, aproximando-se (percebeu que tratava-se de uma entidade benéfica) e estendendo a mão para tocar-lhe as asas de leve:
 
"Quem, ou o que é você?
 
"Sou seu anjo guardião. Vim porque escutei seu desespero, e estou aqui para ajudá-lo."
 
O poeta bateu palmas de tanta satisfação, e disse:
 
"Que notícia maravilhosa! E eu posso pedir qualquer coisa?"
 
"Sim, peça o que quiser! Mas peça com cuidado, pois  só lhe será concedido um único desejo."
 
Ele andou pelo quarto, coçando a cabeça durante algum tempo, pensando no que poderia pedir. Finalmente, escolhendo bem as palavras, acabou pedindo o óbvio:
 
"Faça de mim um homem muito rico, de forma que eu jamais precise preocupar-me com dinheiro novamente."
 
O anjo olhou para ele, e eu juro que havia um pouco de decepção em seu olhar quando ele respondeu:
 
"Assim será feito; mas ninguém pode ter tudo, então teremos que fazer uma troca: você terá de abrir mão do verdadeiro amor. Viverá sozinho o resto de sua vida, sem jamais encontrar o verdadeiro amor."
 
O poeta hesitou, mas pensou em todas as vezes que tivera o coração despedaçado pela dor do amor, e em quantas vezes já tinha sofrido traições e abandonos. Achou que seria fácil, e então respondeu:
 
"Trato feito!"
 
E o anjo, ainda decepcionado, apenas disse:
 
"Está certo; mas você também terá que concordar em abrir mão de sua família e amigos mais próximos: os verdadeiros amigos."
 
O poeta pensou um pouco, e concluiu que se sua família e amigos se importassem realmente com ele, não estaria vegetando naquele quartinho fétido, e concordou com a troca.
 
O anjo bateu as asas de leve, antes de acrescentar:
 
"Mais uma condição: você terá dez anos de vida a menos neste planeta do que lhe é de direito, e assim, ao invés de morrer aos setenta anos, morrerá daqui a trinta anos, em seu sexagésimo aniversário."
 
O poeta ficou em dúvida; afinal, trocar dez anos de vida por dinheiro... mas ele pensou: se dissesse não, teria muitos anos para viver naquelas condições deploráveis em que vivia, sem jamais conhecer o conforto e as alegrias que o dinheiro podia comprar. Não poderia ter o amor verdadeiro, mas o anjo nada dissera quanto à paixão proporcionada pelo sexo casual e as lindas mulheres que o dinheiro podia atrair. Decidiu aceitar a proposta do anjo, e concordou, mais uma vez, com a troca.
 
O anjo, ainda insatisfeito, fez então sua última proposta:
 
"Há apenas mais juma condição, e se concordar com ela, eu o farei um dos homens mais ricos da Terra."
 
Impaciente, o poeta respondeu:
 
"Mas eu já abri mão do amor, da família, dos amigos e de dez anos de vida! O que mais você quer tirar de mim?"
 
O anjo olhou-o bem dentro dos olhos:
 
"A poesia. Você jamais escreverá uma linha sequer."
 
O coração do poeta apertou-se. Ele sentiu o coração acelerar, e recomeçou a andar de um lado ao outro no quarto, pensando nas muitas vezes em que a poesia o salvara até mesmo do suicídio. Recordou-se das noites de insônia em que ela sentara-se ao lado dele, ditando-lhe lindas palavras que fizeram as pessoas se encantarem e chorarem durante os saraus. Com saudades, olhou sua pilha de cadernos acomodados sobre a escrivaninha, onde inocentes, descansavam seus poemas. Após muito se entristecer, o poeta tomou sua decisão, e virou-se para o anjo, dizendo:
 
"Leve-me tudo o que tenho: amigos, amores, família, anos de vida. Leve a minha saúde se quiser. Leve até mesmo a minha vontade de viver. Pegue tudo e ponha sobre as suas asas. Mas por favor, não leve a minha poesia! Sem ela, eu nada sou. Não me reconheço. Serei como uma alma vazia a vagar pelo mundo, sem nada que me traga alívio."
 
O anjo sorriu, mas foi firme:
 
"A única maneira de ter seu pedido concedido, é desistir da poesia."
 
O poeta deixou cair uma lágrima, mas manteve-se firme:
 
"Então, deixe-me aqui, neste quartinho. Deixe-me em paz, pois não posso abrir mão da única coisa que realmente importa para mim: a minha alma."
 
Dizendo aquilo, ele virou-se de costas para o anjo, que desapareceu em uma cortina de fumaça. Mas ele deixou-lhe uma pena longa e branca, com a qual o poeta escreveu seu nome na eternidade.
 
 



 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 07/04/2014
Alterado em 31/07/2015
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