Bem cedo ainda; a manhã ainda tenta desvencilhar-se dos dedos brancos e macios da neblina. Saio para caminhar pelas ruas silenciosas do meu bairro, as casas ainda fechadas, até chegar à Avenida Barão do Rio Branco - uma belíssima via petropolitana, ornada de árvores centenárias (algumas paineiras, quaresmeiras e ipês ainda coloridos pelo amarelo, roxo e rosa de suas flores), que liga o centro à Itaipava, Corrêas e outros bairros.
Passam poucos carros neste feriado. Vou caminhando, caminhando, e de repente, sinto que estou mais leve, os passos avançando mais macios, tendo seu impacto devolvido pelas solas dos tênis. Passarinhos e raios de sol brincam entre os galhos das árvores. Alguns madrugadores passam por mim, e trocamos "Bons dias."
Aos poucos, vou deixando este mundo. É engraçado... parece que caminho entre dimensões. Num instante, estou completamente isolada, só, suspensa e inacessível a qualquer coisa desagradável: memórias tristes, maus pensamentos, problemas corriqueiros do dia a dia, cansaço. A caminhada flui como as águas de um rio manso.
Do outro lado da pista - que é separada da pista onde caminho por um rio - passa um rapaz correndo. Ele não me vê. Está sem camisa, e traz um sorriso leve no rosto. Ao olhar para ele, penso: "Saúde, juventude, alegria!" Percebo que, como eu, ele está totalmente imerso naquela caminhada, naquele momento. Sua pele branca mistura-se aos últimos traços de neblina. Parece etéreo.
No forro dos meus pensamentos, de repente surge-me um antigo mantra, que eu costumava recitar em minha juventude: "Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare. Hare Rama, Rare Rama, Rama Rama, Hare Hare." E ele começa a elevar-se, dominando a minha mente, enquanto os outros pensamentos vão ficando pequeninos... reparo apenas nas árvores e nas gotas de chuva que ainda estão penduradas nas folhas como pequenos diamantes, e nos raios de sol que quaram a neblina já quase totalmente dissipada pelo frescor da manhã.
Quando dou por mim, estou no final da Avenida Barão do Rio Branco, e começo a fazer o caminho de volta, desta vez, caminhando mais rápido. Acho que são cerca de dez quilômetros, no total de minha caminhada, ida e volta. Encontro com outras pessoas - alguns vizinhos - que estão começando agora a mesma jornada. Mais "Bons dias" e acenos. Eu adoro isso!
Percebi que estou mais leve, tanto física quanto emocionalmente. Fisicamente, deixei para trás nessas caminhadas quase sete quilos em dois meses. Emocionalmente, tive ótimas ideias para preparação de minhas aulas, cuidados com minha casa, reflexões sobre vários assuntos e material para escrever meus textos.
Às vezes, quando tem feirinha, eu paro para comprar legumes e flores. Noutras vezes, passo na padaria ou no mercado para comprar alguma coisa que a casa precisa.
O sol agora está alto. Uma sexta-feira Santa ensolarada. Talvez Ele esteja querendo dizer que já é hora de deixar a tristeza para trás, celebrar mais a vida, esquecer o que foi pesado. Talvez Ele queira, finalmente, descer da cruz na qual o pregaram para dizer que está vivo, e que não há mais motivos para lamentar o que ocorreu há tantos e tantos anos. Mas os homens não esquecem, e não perdoam.
Quem sabe Judas Iscariotes e Jesus estejam hoje sentados juntos à mesma mesa, tendo longas conversas?