Quando coisas que, diante da educação que recebemos e das tradições nas quais fomos ensinados a acreditar e que portanto nem sequer questionamos, acontecem a nós ou às pessoas que amamos, costumamos perder a fé. É muito fácil acreditar em uma Força Superior que nos guia quando tudo vai bem e as coisas que desejamos acontecem. Mas a partir do momento que as portas se fecham, as pessoas que amamos morrem ou vão embora ou algum outro evento inesperado nos acontece, começamos a fazer muitas perguntas. Nossas certezas ruem. A ponte sobre o impossível é fechada. A fé é questionada, e muitas vezes, diminui ou morre – com ou sem direito a ressurreição.
Eu às vezes observo a fé das pessoas simples; elas colocam seus véus, pegam sua Bíblia e vão às suas igrejas , templos ou centros espíritas. Seguem os rituais, ouvem os mesmos sermões e histórias que são contados há mais de dois mil anos, e saem de lá sentindo-se mais fortes. Não fazem perguntas, e nem querem saber quem foi que escreveu aquelas histórias, se elas são ou não reais, se milagres são apenas representações alegóricas. Quando pedem por elas mesmas ou por alguém, fazem-no com simplicidade, acreditando que obterão o que pedem, e quando isto não acontece, suspiram e seguem em frente com a certeza de que foi melhor assim, e que Deus tem todas as respostas.
Acho que elas são mais felizes.
Vista do alto do Trono de Fátima
Eu já tive essa fé, de pegar flores no jardim e colocar ao lado da imagem de um santo com uma vela acesa, e fazer um pedido, sem me preocupar de que maneira ele seria atendido ou se ele seria ouvido. Tive a fé das pessoas simples que fazem sempre uma oração antes de dormir, um Pai-Nosso e uma Ave-Maria, sem nem se preocupar muito sobre as palavras, mas sabendo que o sentido delas estaria bem além do que eu compreendia, e que funcionaria, e assim, as coisas boas me alcançariam.
Eu tive a fé das igrejas e centros espíritas também, mas isto foi há muito tempo...
Acho que os índios começaram a desaparecer a partir do momento em que alguém pegou uma nave e foi até a lua, e construiu telescópios, e mediu as radiações do sol e a luz das estrelas, dando nomes aos planetas e constelações que para os índios eram apenas deuses e deusas. A fé deles foi destruída, reduzida a nada... a magia de suas vidas se perdeu, e eles definharam.
Nos últimos anos, após tantas coisas que me aconteceram, a minha fé tornou-se moribunda por uns tempos, internada em coma profundo na UTI do cinismo e da especulação. Muitas vezes eu comecei a dizer uma oração e não consegui terminá-la. Houve ocasiões nas quais eu me senti ridícula, como se estivesse falando sozinha, e a fé cega demonstrada por outras pessoas irritava-me. E nestes momentos, percebi que abriu-se um rombo na barreira protetora de minha vida, e muitas más influências, pessoas e pensamentos ruins começaram a entrar. As coisas começaram a, literalmente, dar errado. É como se houvessem aberto um buraco na minha aura, e haja durepox e tela para consertá-lo...
Mas ando pensando muito, e concluindo que fé que nunca foi testada, não se torna forte. E ao mesmo tempo, não existe fé verdadeira que não seja cega; daquela fé que faz a gente acreditar que vai pular o abismo e chegar são e salvo do outro lado, e a gente pula, e se caímos, nosso consolo de termos tentado nos deixa mais fortes ainda. E nesses momentos, quando estamos lá no fundo do abismo, olhamos para o lado e percebemos uma porção de coisas, refazemos caminhos, nos reestabelecemos e começamos a subir ainda mais alto do que antes. Eu quero ter esta fé de novo.
Quero ter a fé que não questiona. Quero voltar a ter meus rituais de fé, com flores, incensos, caminhadas durante as quais eu faço minhas orações, rezas antes de dormir. Quero voltar a acreditar que a imagem do santinho me trará proteção, como fazem as pessoas simples.
E quando eu tiver dúvidas e perguntas demais, que eu as coloque em uma caixinha que só será aberta um dia, lá na frente, num futuro que não sei quando virá, e enquanto ele não chega, que eu a sele com uma etiqueta branca na qual está escrito: fé.