Agora que você se foi, eu posso sair de casa sem sentir culpa e ficar na rua até tarde, sem precisar preocupar-me com sua solidão ou seus horários de remédios e comida. Também posso acordar mais tarde, e não às cinco e meia da manhã, pois não preciso mais limpar os cocos da grama e a casa antes de meus alunos chegarem – ritual que mantive desde que você passou a morar conosco dentro de casa. Também não haverá mais pelos de cachorro pela casa toda.
Agora que você se foi, minhas despesas com presentinhos, remédios, xampus, rações e petiscos, terminou. Sobrará uma boa grana no final do mês!
Agora que você se foi, poderemos, finalmente, pensar em voltar a viajar, e não teremos que nos preocupar com quem ficará tomando conta de você na nossa ausência. Nos finais de semana, podemos ir para onde quisermos, pois não há ninguém dependendo da nossa volta.
Agora que você se foi, eu posso dedicar mais tempo a escrever; posso passar mais tempo em minha varanda panorâmica, coisa que não fazia mais, com medo de que você despencasse lá de cima ao avistar o cão do vizinho. Posso almoçar e jantar sem sentir aquela patada em minhas costas, e deparar com seus olhinhos pidões reclamando um pedacinho de alguma coisa.
Agora que você se foi, eu não preciso mais passar noites e noites em claro cuidando de você. Não preciso levantar-me duas ou três vezes toda madrugada para ver se você está bem.
Então, será que alguém pode me responder por que eu não estou feliz?