Textos
CONVERSA COM A VIDA
Cenyra Pinto
Editora Vecchi S.A – 1977
Este é um belíssimo livro, no qual a escritora espírita Cenyra Pinto convida várias pessoas a dar depoimentos sobre momentos difíceis em suas vidas nos quais elas poderiam ter mais de mil razões para desistirem de viver; no entanto, estas pessoas deram a volta por cima, reafirmaram sua força e sua fé, construindo um caminho de aprendizado que tornou suas vidas mais ricas e bem melhores. São histórias verdadeiras, reais e carregadas de emoção. Com toda certeza, elas farão com que os leitores pensem sobre seus problemas e façam melhores escolhas.
Entre os belos trechos contidos no livro, escolhi alguns para transcrever aqui; o primeiro deles, é parte da história do escritor Fernando Jorge Uchôa, portador de paralisia, que começou a manifestar-se quando este contava três anos de idade:
“Fui operado. Uma, duas, seis vezes. Meu fim neste mundo quase chegou. Tive tétano, grangrena, septicemia. Desastres cirúrgicos. Certas partes dos membros ficaram definitivamente lesadas; outras melhoraram. Depois de muitas lutas e com aparelhos consegui a posição vertical.”
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“Quando retornei à Vila Militar, costumava ficar debaixo das mangueiras ouvindo os pássaros cantar, ou perto dos pés de ingá, cajá-manga, jaboticaba e das laranjeiras. As cigarras ciciavam no verão, ventos de longe zumbiam, borboletas passavam exibindo suas belas asas amarelas, azuis, cor de barro. Eu via, ficava em silêncio, isolava-me. Aprendia retiros. Não gostava de piedade. Era sensível. Passava do encantamento à agressividade. Mentia dizendo que entendia os pássaros. É possível que de algum modo os entendesse. Ouvia os sanhaços com admiração. Os canários da terra festejavam as coisas da manhã. Os bem-te-vis afirmativos fiscalizavam o dia. O que os pássaros cantam? Cantam sua vida. Voar é bom. Frequentar distâncias torna a alma vasta. Saber cantar é importante. A vida deve ser uma canção. E um voo. E o homem um aprendiz. Eu aprendia a ver, a bater as asas da imaginação.O louva-deus é de silêncios e gestos leves. Isso eu compreendia. O grilo é comedido e estranho. Eu o tocava com um pedacinho de galho, tentando ver como suas asas se movimentavam. Ele, esquivo, erguia a perna, reprovando minha impertinência que agredia a serenidade leve de seus gestos. Saltava. Distanciava-se.”
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“Eu devia me tornar forte para enfrentar experiências difíceis. Todos tem que aprender com o imprevisto, inclusive o fracasso, se for o caso. Às vezes, existe o aprendizado pelo fracasso, uma estranha e incompreensível maneira de vencer.”
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“Atualmente, no outono da vida, volto a ser acidentado. Retornei aos hospitais, nos quais não pretendia mais entrar como paciente. Nova cirurgia. Meses de internação em três hospitais. A agressividade destrutiva do mprevisto voltara a me atingir. Retorno na cadeira de rodas. Meses de preocupação extrema e debilidade física; nervos abalados; úlcera, irregularidades provocadas por excesso de medicação. Responsabilidades a me pesarem no corpo débil, recolhimento, renovação. Esforço-me. Deus me ajuda. Deixo a cadeira de rodas. Levanto-me outra vez para os passos que somados se tornam o caminho de minha vida até aqui.”
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“Que os abatidos meditem no valor da vida e não a gastem inutilmente como um passatempo.
A vida é a oficina onde se elabora a liberdade.
A fogueira de onde sairá a luz.
O tumulto de onde nascerá a paz.
Vale a pena viver com Deus que é Amor.
Põe em teu amor o amor de Deus.”
Este é um dos mais lindos depoimentos do livro, sem desmerecer os outros. Talvez porque foi feito através da alma sensível de um escritor. No final do livro, há algumas páginas psicografadas que também transmitem fortes mensagens. As que mais me chamaram a atenção – porque mais tema ver com meu momento atual:
“Vigiai vossos pensamentos e sentimentos, mas não tenteis levar mentalmente uma norma de vida para ninguém, porque estareis fazendo mais mal do que bem.”
“Cada modificação é precedida por uma demolição. E é justamente essa demolição que tememos, porque não estamos preparados para os avanços da evolução. Precisamos abrir os olhos do entendimento para que possamos, ao nos deparar com situações dolorosas, estar em condições de ajudar e suster aqueles que se deixam abalar pelo pavor.”
“A vida tem mistérios insondáveis. Ninguém sabe que experiências lhe reserva o próximo minuto. Julgar as causas que levam as pessoas a um estado de iséria material ou moral, e acusá-las, sobre qualquer pretexto, revela profundo desconhecimento da condição humana. Ninguém pode constituir-se em juiz das causas alheias.
A razão das coisas se perde na noite dos tempos. Muitas provas não são punição, mas aprendizado resultante de nossas próprias ações, ou experiências que o homem pede ao voltar à Terra, com o objetivo de desenvolver novos valores, que o tornem mais uma consciência capaz de atingir as dimensões da Luz e da Verdade.”
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“Portanto, quando alguém sofre, não tentemos auscultar-lhe os motivos, mas ofereçamos o socorro que estiver em nosso alcance. Se revolvermos as chagas alheias com o propósito de condenar, estaremos preparando para nós momentos bem difíceis, em um futuro próximo.”
“Você carrega um fardo de acusações contra a vida e as criaturas, sem jamais ter parado para refletir no porquê de tudo o que acontece. Nunca tentou dialogar com você mesmo, com a própria vida; e por isso não sabe se é válido o seu modo de interpretar os acontecimentos. Criou uma couraça, escondeu-se dentro dela e de lá atira pedradas naqueles a quem você acusa de responsáveis pelo seu estado atual de desilusão. Você nem pensa, sequer, se aqueles aos quais você acusa como responsáveis por sua revolta contra a vida e as criaturas são realmente culpados, ou as acusações não passam de produto de sua imaginação, ou de sua incapacidade de superar as condições adversas e de tentar vencer aquilo que lhe parece obstáculo intransponível a impedir que você se realize. Cada um é como é; você nunca poderá mudar as criaturas. O que você precisa é mudar-se a si próprio, em relação aos outros.”
E entre as mensagens, existe uma intitulada “A Vida é o que é”. Só o título já nos traz a compreensão da inutilidade de indagar a si mesmo ou culpar a Deus quando os reveses chegam. Eles são parte da vida, e chegam a todos nós, cedo ou tarde.”
Para mim, entre outras mensagens e depoimentos que li, fica impresso em minha mente a frase:
“A VIDA É O QUE É.”
“Conversa Com a Vida” é um livro que segue a Doutrina Espírita verdadeira, a que não se coloca como dona da verdade, a que não se impõe sobre criatura alguma, não condena ninguém, entende que cada um tem o seu tempo de compreender as coisas da vida, e que na verdade, todos nós, sem exceções, sabemos muito pouco. A Doutrina Espírita que está além de dogmas e religiões, e mesmo assim, não condena nenhuma destas coisas. A que dá a cada um o direito de ser – mas lembrando a importância de nossas escolhas na história de nossas vidas e de outras vidas que nos tocam.
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 15/07/2014
Alterado em 15/07/2014