Ano: qualquer data, há milhares de anos, antes que qualquer pessoa pudesse imaginar a humanidade como ela é hoje.
Após a queda do penhasco durante uma caçada, Yuni acordou no meio de um matagal, sentindo as doloridas ferroadas das formigas que alimentavam-se de sua carne. Sua mente divagava entre o sono e a realidade, e às vezes pensava estar sendo observado por estranhas criaturas - não sabia como descrevê-las, mas em seu delírio, tomou-as como gigantescas corujas de olhos negros e pernas humanas, que saíam de uma imensa bola de luz e falavam com ele, mas uma fala sem boca e sem voz, que era compreendida apenas pelo seu pensamento.
Sentiu que estava sendo carregado para dentro da bola de luz, e após ser colocado em uma superfície cinza e gelada, as criaturas - despidas de suas máscaras de corujas - pareciam-se com as pessoas de sua tribo, mas seus rostos eram mais alongados, os olhos, maiores e tinham estatura mais baixa. Elas faziam coisas indescritíveis com seu corpo, que causavam-lhe espasmos de dor; em dado momento, Yuni sentiu que seu peito estava sendo aberto, e seu coração, arrancado, e depois, colocado de volta; instrumentos pontiagudos como finos galhos de árvore eram inseridos em seu corpo, e naqueles momentos, ele via coisas que não sabia descrever. Tinha visões de gigantescas flores coloridas, e animais que falavam.
A floresta que lhe aparecia naquele momento, era bem diferente da floresta onde morava: as cores eram bem mais intensas, e os animais, diferentes dos que conhecia, pareciam inteligentes, e se comunicavam com ele. Mostravam-lhe plantas, ensinando-o o que fazer com elas, como misturá-las para obter remédios que curavam muitas doenças. Yuni a tudo observava, e aprendia. Também mostraram-lhe um objeto quadrado cheio de marcas inscritas, e ao abrir tal objeto, os símbolos que estavam nele inscritos voaram até os ouvidos de Yuni, e o conhecimento passou a fazer parte dele. Logo após esta experiência, o objeto - que era um livro - desapareceu.
Depois de todas aquelas estranhas experiências, os animais ensinaram a Yuni que, sempre que desejasse voltar até eles e adquirir mais conhecimento, deveria ingerir uma combinação de ervas que chamaram de "Sementes Verdes." Mostraram a ele onde encontrá-las e como prepará-las adequadamente. Também advertiram-no de que não permitisse que outros fizessem uso delas, pois eram sagradas, e traziam conhecimento que, em mãos erradas, poderiam representar a desgraça de toda a sua tribo.
Quando Yuni despertou, estava novamente deitado ente o matagal, e os raios de luz cruzavam as copas das árvores e faziam arder seu rosto. As formigas haviam desaparecido, e não havia marcas de picadas em seu corpo. Ele se levantou e caminhou de volta à sua tribo.
Quando lá chegou, Dandara, sua esposa, veio correndo ao seu encontro, preocupada. Ele a abraçou, mas depois afastou-a, dizendo que precisava falar com seu pai, o Grande Chefe da tribo, a fim de mostrar a ele os últimos acontecimentos.
E três luas brilharam , até que finalmente, pai e filho saíram da tenda, anunciando as mensagens dos deuses do céu. As pessoas da aldeia que estavam doentes, foram logo curadas pelas ervas que Yuni preparou, e pelas rezas que ele dizia, inspirado pelo sopro Divino.
O tempo passou, e aos poucos, os deuses permitiram que Yuni introduzisse o conhecimento adquirido a outros membros escolhidos pelos deuses; nessas ocasiões, a grande fogueira era acesa, e os convidados partilhavam do chá de ervas servido por Yuni, o Chá do Grande Conhecimento. Em transe, os escolhidos recolhiam-se em cavernas escuras, onde desenhavam suas visões nos tetos e paredes.
Com o tempo, Yuni tornou-se um homem velho, e seu filho, Titi, seria preparado para substituí-lo. Mas Titi era ambicioso, e tinha o coração amargo. Reparava que as pessoas da aldeia costumavam retribuir as curas e conselhos através de presentes e doações, que embora fossem recusados por seu pai Yuni, eram distribuídos entre os mais fracos. Titi estava cansado de ter que sair nas grandes caçadas, arriscando sua vida, a fim de alimentar a sua família. Achou que, possuindo o conhecimento de seu pai, possuiria também o poder sobre os demais membros da aldeia.
Assim, acatou atentamente as ordens do pai, e tratou de aprender com afinco tudo o que lhe foi ensinado, até que o velho homem foi recolhido pelos deuses, e ele pode substituí-lo.
Ao assumir o poder, Titi começou a manipular as mensagens dos deuses, a fim de deixar as pessoas da aldeia amedrontadas e submissas a ele. Criou um Grande Conselho, formado por seus melhores amigos, e todas as ideias deveriam ser por eles julgadas antes que fossem postas em prática. "Era a vontade dos deuses," ele repetia. Assim, o Grande Conselho criou a Grande Tenda, e os novos rituais pelos quais todos os membros deveriam passar. Um destes rituais consistia em suntuosas doações de tudo o que fosse caçado, pescado ou confeccionado; alguns membros revoltaram-se, e afastando-se da aldeia, fundaram outros grupos - que em tempos de guerra, eram dizimados pelos soldados de Titi.
Estes grupos rebeldes, como passaram a ser conhecidos, infiltravam-se cada vez mais dentro da floresta, e como não tivessem se desviado dos verdadeiros princípios dos deuses, eram agraciados com a clarividência, o poder da cura e a magia. Tornaram-se criaturas encantadas, que hoje em dia, são conhecidas por fadas, duendes e elfos. Mas sempre que eram avistados, o Grande Conselho dizia aos seus fiéis que tratavam-se de demônios, e que deveriam ser eliminados.
Desta maneira, o número dos chamados 'rebeldes' reduziu-se bastante, embora ainda hoje haja relatos de avistamentos.
O Grande Conselho crescia e tornava-se cada vez mais poderoso através dos anos. Quem não seguisse seus rituais, ou desobedecesse suas normas, era considerado inimigo do Conselho, e por este motivo, torturado e morto. Também havia casos em que estes pobres condenados eram acusados de manter relações com os demônios das florestas - ou rebeldes. Quando isto acontecia, eram queimados vivos em grandes fogueiras. O povo, cada vez mais amedrontado, tentava não perceber o que estava acontecendo, pois ninguém desejava ser torturado e eliminado.
Os deuses há muito tinham se retirado, e as mensagens do primeiro xamã - Yuni - tinham sido adulteradas e escritas em grandes livros, que apenas o Grande Conselho podia ler. Ao mesmo tempo, criaram-se terríveis profecias a terem lugar em pouco tempo, caso as pessoas não se arrependessem e se convertessem ao Grande Conselho.
Lá de cima, de sua Bola de fogo Iluminada - ou nave espacial - os deuses a tudo viam, e decidiram que era chegada a hora de enviarem um deles à terra, a fim de resgatar a verdade. Escolheram, entre eles, o mais sábio e mais bondoso, e mesmo após saber de seu possível triste destino, este novo Xamã - chamado Verdade - concordou em cumprir sua missão. Nasceu entre o povo, tornando-se um deles, e tentando ensinar-lhes a Grande Verdade; tentou dizer-lhes que eram todos filhos do céu, e que tinham em seus genes os genes divinos; mas o povo, amedrontado e mantido há tanto tempo na ignorância pelo Grande Conselho, não o escutava, exceto por alguns poucos mais iluminados. Dotado de seu poder xamânico, Verdade efetuou muitas curas, e acabou chamando a atenção do Grande Conselho.
Todos do Grande Conselho concordaram que Verdade representava uma ameaça à sua instituição e ao seu poder; assim, através de muitas armadilhas, caçaram-no e aos seus mais conhecidos seguidores, condenando-os à morte. Ao mesmo tempo, a fim de mais facilmente dominar e consolar o povo e seus seguidores, transformaram a imagem de Verdade e seus seguidores em santos poderosos, elevando-os à categoria de salvadores. Agora, que eles não representavam mais uma ameaça , poderiam ser aliados!
Desta forma, surgiram as religiões - instituições que, através da condenação à morte de seus xamãs, passaram a dominar o povo e ter poder sobre a Verdade, pretendendo controlar o acesso dos fiéis aos deuses.