Há coisas pelas quais todo mundo passa na vida. Todos passamos e / ou passaremos por perdas, doenças, rompimentos, despedidas, desentendimentos e outras coisas. Até podemos, enquanto elas não acontecem, achar-nos merecedores exclusivos da misericórdia divina e acreditar que tais eventos jamais nos atingirão; afinal somos todos tão bons...
Mas estas coisas são todas inevitáveis, e nos chegam mais cedo ou mais tarde. E quando elas vem, só nos resta aceitá-las e aprender o que pudermos através delas.
Assim também é a velhice. Ninguém escapará dela, a não ser aqueles que morrerem jovens. Mas como os outros eventos desagradáveis, podemos ficar durante muito tempo negando-a, ou tentando difarçá-la com eufemismos, usando termos como "terceira idade," "melhor idade" ou "espírito jovem." Mas nenhuma dessas coisas farão com que deixemos de envelhecer. Canso-me de ouvir pessoas dizendo: "O que importa, é ter o espírito jovem!" Mas o espírito, antes do corpo, é o que temos de mais velho! Quantas e quantas vezes já estivemos aqui? Bem, eu acredito que algumas...
Eu não quero ter o espírito jovem, eu quero que ele envelheça, e que, aos cinquenta anos de idade, ele e eu nos identifiquemos totalmente.
Não gosto de envelhecer. A vida era bem mais fácil quando eu tinha um corpo mais ágil e bonito, saúde melhor, podia caminhar sem sentir dores nos joelhos e desfrutar de um metabolismo sensacional que me permitia comer o que quisesse e jamais engordar. Mas o tempo passou, e eu envelheci, e o envelhecer traz algumas modificações importantes e nada agradáveis. Mas é fato. E fato é fato. Apesar de não gostar dessas mudanças, tenho que conviver com elas, aceitando-as e fazendo o possível para que elas sejam minimizadas através de cuidados com a alimentação e a saúde (se bem que sou do tipo que adora chutar o pau da barraca de vez em quando, e sem o menor sentimento de culpa).
Eu vejo esses grupos de terceira idade como uma forma de exclusão. Não deveria ser assim. Os mais velhos não deveriam ser deixados sentados em um cantinho durante as reuniões de família, e muito menos, serem tratados como crianças sem vontade própria. Comigo não vai ser assim, porque se eu tiver saúde, não vou permitir que me digam o que comer, o que vestir, aonde ir, que horas dormir. O ideal seria que os jovens e os velhos convivessem normalmente, aceitando uns aos outros como são, sem essa coisa de terceira idade ou melhor idade. Ah, o quanto todos perdemos quando convivemos apenas com quem é da nossa faixa etária!
Mas fomos nós que criamos essas divisões. Em outras culturas, a experiência da velhice é louvada! Por que não aqui? Acho que é tudo uma questão de educação. É preciso mudar a forma como encaramos os idosos. Quantas vezes, ao vermos um idoso atravessando a rua, não exclamamos: "Coitadinho!" Mas coitadinho por que? É um ser humano igualzinho a nós, só que mais experiente! Ao mesmo tempo, vejo idosos que adoram despertar essa piedade, adoram ser tratados como se fossem crianças e ouvirem as pessoas mudando a voz para falar com eles como os adultos fazem quando se dirigem às crianças. Sim, é uma questão cultural... logo que vemos a idade virando a esquina, tratamos de tentar nos comportar como achamos que os mais jovens esperam de nós. Como nossos avós se comportavam.
Assim, entramos na roda-viva do preconceito de livre e espontânea vontade. Até pulamos nela!
OK, eu envelheci. E isso só significa uma coisa: que eu envelheci. Não tenho e nem quero ter o espírito jovem. Quero ter um espírito milenar, muito, muito velho, experiente, que enxergue bem além das falsas aparências que criamos, e que viaje além das barreiras que a ignorância ergueu. Não me tornei uma bonitinha coitadinha, que gracinha, e jamais me tornarei.
Quando chegar a hora, quero caminhar à beira do precipício e olhar lá para baixo sem medos e sem apegos, sentindo-me pronta para quando o vento soprar e chegar a minha vez de cair. Acho que será no exato momento em que eu descobrirei que posso voar.