Inspirada em acontecimentos recentes, lembrei-me de alguns professores que tive ao longo da vida. Alguns deles são inesquecíveis, por terem sido ótimos, e outros, justamente pelo contrário; não que estes últimos não tivessem conhecimento sobre a matéria que ensinavam, mas talvez por cansaço, pretensão ou negligência, eles o faziam de forma automática e desapaixonada. Quando indagados por algum aluno que desejava realmente aprender, e não simplesmente memorizar conceitos, estes professores respondiam de má vontade às perguntas, ou zombavam de seu pouco conhecimento, humilhando-os perante os outros alunos. Nem percebiam que aquele tipo de atitude jamais contribuía para que fossem considerados bons professores, e que se os alunos deixavam de fazer perguntas durante as aulas, não era devido à sua eficiência na explicação, mas ao medo de serem ridicularizados. Eu fui uma daquelas alunas que iam para casa cheia de dúvidas e pesquisava-as em livros (naqueles tempos sem internet, os livros eram nosso único recurso, e poderia levar horas até que encontrássemos o que estávamos procurando), ou então, como no caso da matemática, onde sempre tive muitas dúvidas, eu contratava os serviços de um professor particular.
Em uma dessas ocasiões, meu professor particular de matemática, um jovem tenente do exército estudante de engenharia, contratado por uma de minhas irmãs, pediu-me, na primeira aula, que eu lhe mostrasse alguns testes e provas que eu tinha feito. Um tanto tímida, mostrei-lhes minhas provas (todas com notas vermelhas) e ele começou a corrigi-las novamente; descobriu que em todas elas eu poderia ter tirado notas azuis! Os cálculos e resultados das minhas pobres equações estavam corretos, embora diferentes do caminho corrigido à tinta vermelha indicado pela professora. Eu tinha a minha própria maneira de tentar entender a matemática, mas que não servia para a professora. Meu professor particular mandou-me mostrar a ela as provas recorrigidas por ele acompanhadas de um bilhete dele, e eu obedeci.
Enquanto ela passava os olhos pelas provas e após ler o bilhete, a tal professora exclamou: “Você é uma aluna folgada e arrogante! Tenho certeza que você colou nas provas (o que não era verdade; só passei a fazer isso mais tarde, quando vi que não conseguiria mesmo aprender nada vindo dela, e por incrível que pareça, ela pareceu mais feliz com minhas notas desde então).”
Ela continuou, furiosa, gritando comigo na sala de aula, na frente dos outros alunos: “Diga ao seu professorzinho para vir aqui conversar comigo. Na verdade, esta é uma escola estadual, e se você pode pagar pelos serviços de um professor particular, não deveria estar aqui!” Bem, eu nada respondi, mas na semana seguinte, meu “professorzinho” conseguiu um horário vago e foi até a escola conversar com a minha professora. Não sei sobre o que eles falaram, mas ela reviu as notas e eu consegui passar de ano.
Em outra escola, havia um professor que eu muito admirava. Ele ensinava Língua Portuguesa, e através dele, aprimorei muito o meu texto. Ele era sempre muito calmo e amigável. Até que um dia, durante uma aula, ele dirigiu-se a um aluno chamando-o de “merdinha”, apenas porque o mesmo estava conversando (tão baixinho, que nem eu tinha escutado). Derrubando com força a própria cadeira no chão – tanta força que acabou por quebra-la – o professor, aos berros, mandou que o aluno se retirasse. Novamente, chamou-o de merdinha enquanto o aluno, muito vermelho e de cabeça baixa, passava por ele. Juro que eu temi uma agressão física por parte do professor, mas felizmente, aquilo não aconteceu. Toda a admiração que eu tinha por ele terminou naquele dia, e no final do ano, a turma pediu à diretoria que o professor fosse trocado (estávamos com ele há dois anos).
Já chegaram a mim alunos com muitas dificuldades e com muito medo de errar; são adultos, homens e mulheres feitos, engenheiros, advogados, professores de outras matérias, e médicos, mas que na hora de se expressarem em inglês, tremiam, gaguejavam e às vezes não conseguiam falar, apesar de terem vocabulário para tal. Conversando com alguns, descobri que suas dificuldades vinham muitas vezes de traumas causados por professores que não souberam corrigi-los, e que ao invés disso, riam deles quando erravam ou duvidavam publicamente de sua inteligência. Um desses alunos, uma moça casada e mãe de família, chegou a chorar durante uma aula. Sempre que ela cometia um erro, chamava a si mesma de burra. Suas mãos tremiam, e ela acabou desistindo após algumas aulas, embora eu tivesse feito tudo para tentar ajuda-la.
Bem, mas agora vou falar dos meus professores prediletos, aqueles de quem recebi estímulos, cujas aulas eu considero úteis até hoje na minha vida:
-Dona Arinete, minha professora de português na quinta série ginasial. Ela me ensinou os caminhos dos versos, e sempre me incentivou muito a escrever, sendo a primeira pessoa na minha vida que me disse que eu tinha talento para tal.
-Professor Hamilton, de História, que ficou comigo na sétima e oitava séries. Suas aulas eram engraçadas, muito divertidas e essencialmente sem didática alguma – pelo menos, não a que aprendemos nas aulas de didática da faculdade -, mas todo mundo aprendia através de suas narrativas engraçadas. Ele jamais usava livros, e incentivava-nos a fazer nossas próprias anotações. A partir dele, comecei a gostar muito de História, matéria que eu detestava.
-Professor Fábio, de matemática, primeiro ano do segundo grau; ele foi paciente comigo, reconhecendo minhas dificuldades e me incentivando muito a superá-las. Sem ele, acho que eu estaria na escola até hoje... rsrsrs...
-“Tia” Amanda, minha primeira professora. Acho incrível que ela se lembre de mim e me cumprimente quando passa por mim. Quando fiquei em casa durante seis meses, com hepatite grave, ela teve o carinho e o cuidado de enviar-me todos os dias as lições com explicações especiais pela minha irmã que estudava na mesma escola, evitando que eu precisasse repetir o ano.
-Cíntia, minha professora de Psicologia da Educação na faculdade, que me despertou para muitas coisas que me fizeram olhar para meus alunos de forma diferente e compreender melhor as suas necessidades. Quando comecei a estudar com ela, eu já dava aulas de inglês em cursos e já tinha a experiência das salas de aula, mas ela foi de grande ajuda.
-Vecchinho, professor de Psicologia do Desenvolvimento. Por sua causa, eu ia feliz às aulas nas noites de sexta-feira, quando muita gente gostaria de estar em qualquer outro lugar que não fosse uma sala de aula.
O mais incrível, é que quando eu me recordo destes e de outros bons professores (seriam muitos para citar aqui), eu me lembro de que discutíamos sempre de igual para igual sem o menor problema. Eles não nos consideravam arrogantes por argumentarmos com eles – embora estivessem anos-luz à nossa frente – e eu sempre tinha notas muito boas em suas matérias.
O que eu aprendi nesses meus mais de vinte anos ensinando, foi a jamais rebaixar um aluno quando ele erra, por mais tolo que seja o erro; a repetir pacientemente uma explicação quantas vezes forem necessárias, de diferentes formas, para que ele possa compreender. A não ter a pretensão de colocar-me em um nível superior ao dele por motivo algum, pois cada pessoa tem seu caminho e viveu experiências que ninguém pode julgar, e quando uma pessoa – aluno ou não – tem um pensamento diferente do meu ou não concorda comigo, não significa que ela seja arrogante, apenas que tem um ponto de vista diferente, ou que a sua vivência fez com que enxergasse as coisas de maneira diferente, vendo janelas onde eu enxergo portas e cadeados. Às vezes, uma pessoa que consideramos “ignorante” percorreu um longo caminho para aprender o pouco que sabe, e não teve as mesmas facilidades que nós. Portanto, quem somos nós para criticar alguém de cuja vida conhecemos apenas a superfície ou, às vezes, sequer isto?
Nestes poucos anos em que uso a internet – cerca de nove anos – já li, aprendi e vi muita coisa. Acho que a web é uma ferramenta de aprendizado utilíssima, e muito do que já li por aqui encontrei também em livros, a informação apresentada da mesma forma, com as mesmas palavras; porém, costumo checar as informações que leio, pois já vi muita coisa equivocada. Para quem quer aprender, hoje em dia basta o desejo verdadeiro, a dedicação e algum tempo disponível. Mesmo assim, quando se tem bons professores, cuja vocação e conhecimento possam guiar-nos no caminho, tudo fica bem mais interessante.