EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos
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Minha bisavó Genova à porta da casa, de pé sobre as escadas onde eu brinquei de casinha



A CASA DO MEU PASSADO - MEMÓRIAS DA MINHA VIDA



A casa de minha mãe, onde nascemos todos pelas mãos da parteira Dona Maria Carioca, era pequena e simples. Foi comprada pelos avós de minha mãe quando eles chegaram ao Brasil no início do século XX, vindos da Itália. Trouxeram com eles meu avô, ainda bebê. 


A casa tinha apenas dois quartos, onde dormíamos eu e minhas três irmãs. Meu irmão dormia na sala. Tudo era pequeno, mas havia um quintal onde, quando eu era ainda bem criança, meu pai plantava abóboras. Mais tarde, como as abóboras ocupavam todo o espaço do quintal dos fundos, Meu pai desistiu delas. Mas sempre tivemos pés de frutas, como abacate, figo, limão, ameixa, banana, pêssego. Durante um certo tempo, eu e minha irmã cultivamos couves, alface e cheiro verde. Minha mãe jogava sementes de tomate aleatoriamente pelo chão, e os tomateiros cresciam em pouco tempo, espalhando seus frutinhos vermelhos. 


O chão da casa era feito de tábuas de madeira, que minha mãe gostava de encerar. O chão da cozinha era de cimento, tudo muito rústico. Minha mãe jogava água e sabão naquele chão toda sexta-feira, e esfregava com a vassoura. Enquanto escrevo, posso me lembrar do som da vassoura sobre o cimento... ela ralhava com  a gente se tentássemos passar pela cozinha quando ela a estava lavando, e então utilizávamos a porta da sala para ir brincar no quintal. Naquelas escadinhas de cimento que conduziam à entrada principal, eu me sentei muitas vezes, e construí muitos sonhos. Fazia sobre elas a minha casa de mentirinha, e cada degrau representava um cômodo. Por muitos anos, habitei naquela casa de mentirinha após a escola, quando eu chegava em casa escutando o canto das cigarras nas tardes de verão. Gostava de olhar para as montanhas lá em baixo, à esquerda, e ver o sol indo embora.



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Meu avô Rogério, pai de minha mãe



Quando chovia, o barulho da chuva forte caindo sobre as telhas de zinco era ensurdecedor! Se havia trovões, eu me escondia debaixo da mesa mineira de madeira que ficava bem no centro da cozinha, fechando os olhos. Minha mãe não permitia que abríssemos torneiras ou segurássemos tesouras quando havia tempestades, pois dizia que objetos metálicos poderiam atrair os raios. 


Nossa mobília ainda era a dos tempos que meus pais se casaram, toda ela já usada, doada por meu avô. No quarto de meus pais, havia um conjunto de armário e penteadeira muito bonito e antigo. Meu avô o ganhara quando trabalhou no Hotel Majestic, onde hoje funciona a Faculdade de Medicina de Petrópolis. O armário, de pinho de riga,  tinha espelho de cristal bisotado na porta, e sobre a cômoda, havia um tampo de mármore branco. Nas laterais, um par de altares, um de cada lado. Eram móveis grandes, antigos e estilosos, que não soubemos valorizar. Mais tarde, meus pais acabaram substituindo-os por móveis mais modernos, mas de qualidade inferior. 


No verão, havia muitos besouros e joaninhas pelo quintal. Eu adorava brincar com eles, e uma vez, peguei uma quantidade razoável de joaninhas e coloquei em uma caixa, que acabou se abrindo, e elas se espalharam pelas paredes dentro da casa. Os besouros eram marrons, cinzentos, pretos, listrados, bege-nacarados, verdes, furta-cor ou azulados. Eu enchia caixas com eles, e depois me sentava no quintal enquanto eles passeavam pelos meus braços. Também gostava de lagartas, a maioria delas listradas, muito engraçadinhas. Posso ainda sentir o toque macio e gelado delas sobre a minha pele. 


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Meus bisavós Heitor e Genova



Tínhamos muitos bichos: cães, gatos, galinhas, hamsters. Uma vez tive uma pata branca que me seguia para todos os lados, inclusive quando eu ia até a venda do "seu" Manuel buscar alguma coisa que minha mãe pedia. Naquele tempo, não tinha essa coisa de castrar os animais, e as cadelas e gatas tinham sempre muitos filhotes, mas conseguíamos doar a maioria deles. Os mais feinhos iam ficando... também não existia ração de cachorro, e nós os alimentávamos com fubá e restos de comida. Quando dava, acrescentávamos pedaços de bofe ou frango à sua refeição. Eram todos muito saudáveis, e ficavam soltos, podendo passear pelo meio do mato ou pela rua. Às vezes, um deles aparecia morto, atropelado ou envenenado. Eu ficava muito triste quando isso acontecia, mas ao mesmo tempo, entendia que era parte da vida, e afinal, havia muitos outros cães. A vida era assim.


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Eu, na época da escola, dando discurso no aniversário de D. Franci, a diretora


Cães e gatos conviviam no mesmo espaço, sem brigas. Dormiam e comiam juntos. Separávamos a comida dos gatos porque os cães comiam mais depressa. Às vezes havia  'desentendimentos' que nós resolvíamos com alguns gritos. As coisas eram mais naturais, e iam acontecendo sem que ninguém as controlasse. A vida era mais devagar. 




Era bom, acordar de madrugada quando ainda estava escuro, e escutar meus pais conversando na cozinha antes que meu pai saísse para o trabalho. A melhor coisa do mundo é ter os pais vivos e ainda jovens zelando pela gente. Vivíamos com algumas dificuldades financeiras, mas nunca nos faltou nada. Os  mais novos herdavam as roupas de primos e irmãos mais velhos, que eram reformadas para que servissem melhor. Sapatos eram comprados uma ou duas vezes ao ano. Na escola, usávamos os cadernos e lápis mais simples. As árvores de natal eram pontas de pinheiros enfeitadas com bolinhas de vidro coloridas e chumaços de algodão para fingir que era neve. Ganhávamos presentes apenas nos natais e aniversários. Brincávamos na rua com os colegas, e todos os vizinhos se conheciam e conversavam sempre. Se a televisão de alguém queimasse, a família toda ia para a casa de algum vizinho para assistir aos programas favoritos. Era comum dividir, partilhar e ajudar, mesmo tendo pouco.


Foi bom viver na casa do meu passado.




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Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 08/10/2015
Alterado em 08/10/2015
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