Texto escrito pensando em uma pergunta que o Recantista Sam Moreno me fez por e-mail, após eu responder a um e-mail seu me homenageando pelo Dia da Mulher
Em um 29 de setembro qualquer, há mais de cinquenta anos, eu nasci pelas mãos da parteira Dona Maria Carioca e dei meu primeiro grito neste mundo. Minha mãe sofreu as dores do meu parto em casa, assim como ela já tinha sofrido antes as dores dos partos dos meus quatro irmãos mais velhos - um menino e três meninas. Foi assim que minha vida por aqui começou. Nasci mulher.
Desde cedo, me ensinaram que eu era menina; cresci e aprendi a gostar de brincar de boneca e de casinha. Na escola, minha mãe me aconselhava a brincar com outras meninas e a ficar bem longe dos meninos, e conforme eu crescia, mais ela enfatizava a importância deste gesto, pois meninos só queriam saber "daquilo."
Mas logo aprendi a definir minhas próprias preferências, e meu maior amigo durante a sexta e a sétima séries do primeiro grau foi um menino, e ele nunca quis saber "daquilo" comigo. Mais tarde, também fiz amizade com dois outros meninos - gays - e descobri que os homens, não importa qual a sua inclinação sexual, são bem mais simples, sinceros e acessíveis do que as mulheres. Não perdem tempo com fofoquinhas, disputas para saber quem tem a melhor roupa, ou o melhor cabelo, ou as botas mais caras. Se encontram no campo de futebol e passam horas divertidas juntos, brincando e rindo (se desentendendo muitas vezes, mas após a partida, as rixas acabam), ficam elameados sem reclamar por causa das roupas, e no vestiário, não discutem qual barriga estava mais flácida, quem tinha mais celulites, estava mais gordo ou tinha mais rugas.
Anos depois, quando os homens se encontram nos caminhos da vida (posso observar isto porque é assim que acontece com meu marido e seus amigos de escola ou vizinhos), ficam horas conversando, lembrando os bons e velhos tempos, sem olhares oblíquos para o que o outro está vestindo. Parece que se viram pela última vez ainda ontem, e despedem-se com um abraço de urso e muitos tapinhas nas costas, após trocarem telefones.
Já quando duas mulheres se reencontram após muitos anos, o seguinte pode acontecer: elas medem uma à outra de cima em baixo, dão um sorriso forçado, beijinhos nas bochechas e passam a falar sobre onde estão morando, o que estão fazendo, tentando descobrir qual delas tem a vida melhor e é mais feliz. Isto, quando elas se cumprimentam! E depois, quando chegam em casa, comentam sobre o quanto a outra envelheceu / engordou / se deu mal na vida / casou com o homem errado / divorciou-se primeiro, ou todas as alternativas anteriores (e mais algumas).
Assim, agradeço profundamente por terem lembrado de mim, ou pelo menos, lembrado de que eu sou uma mulher, e me enviado mensagens pelo Dia da Mulher. Obrigada! Mas é que eu não vejo nada de especial em ser uma mulher! As mulheres sofrem as dores do parto, precisam se depilar e fazer as unhas, tingir os cabelos quando eles começam a ficar brancos precocemente, manter a forma física durante a maior parte da vida (até que envelhecem e deixam a peteca e a barriga cairem), preocupam-se em se manterem bonitas, jovens e cheirosas sempre, além de serem as principais responsáveis pela educação dos filhos e a manutenção da casa.
Gente... com toda sinceridade: qual a vantagem disso?!
A propósito:
Eu respondi ao Sam Moreno que, se tivesse nascido homem , eu seria gay. Porque, sendo mulher, eu conheço as mulheres, e não gostaria nada de relacionar-me intimamente ou romanticamente com uma. Ele riu. Mas eu falei sério.