Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já deparou com o sonso. Ele é aquele que sempre fica bem na foto, pois está sempre sorrindo, e tem um olhar bondoso e aparentemente sincero. Costuma falar baixo e não dizer diretamente o que pensa, preferindo expressar-se de forma mais dissimulada.
O sonso tem a habilidade de comer pelas beiradas. Rodeia o prato devagar, fingindo não sentir a voracidade que o aflige, e de repente, dá uma mordidinha. Geralmente, é uma mordidinha inocente, arranca só um pedacinho que não vai fazer muita falta; talvez, ninguém note. Mas ele não para por aí, pois a fome do sonso é insaciável. Logo depois, ele dá outra mordidinha, e mais outra, e mais outra. Quando a gente percebe, o sonso já chegou no recheio do sanduíche, e não deixou nada para ninguém.
Uma das maiores habilidades do sonso, é a manipulação. Ele conta uma história pela metade, só até o ponto no qual ele sabe que receberá a aprovação dos seus ouvintes. O resto, ele prefere omitir. Ou então ele conta o restante da história apenas quando ele percebe que o seu ouvinte já caiu na sua teia, que ele armou com todo cuidado entre os arbustos para ninguém perceber. Gosta de contemplar o olhar perplexo e constrangido de sua vítima. O sonso é como uma aranha, que estende sua teia invisível esperando que um besourinho incauto fique preso nela. Depois, ele se aproxima e se alimenta dele.
O sonso gosta de todo mundo. Pelo menos, aparentemente. Morre de medo de entrar em conflitos, mas adora quando vê o circo pegar fogo. Especialmente se o incendiário foi ele. Ele se senta no alto, em uma posição confortável de onde ele possa ver todo o prédio em chamas, e quando alguém passa, balança a cabeça tristemente e comenta: “Que pena!”
Quando o sonso quer uma coisa, ele tenta obtê-la e não desiste. Porque o sonso é invejoso. E ele não tem pressa. A fim de conseguir o que quer, está disposto a esperar muitos anos. Ele muda de casaca e desiste de suas convicções, sejam elas quais forem, adotando novas crenças e defendendo novas causas se isso lhe trouxer algum benefício pessoal. Porque no fundo, as causas dos sonsos são apenas uma maneira de atingir metas pessoais. Podem ser Flamengo hoje, se o chefe for Flamengo, ou Fluminense amanhã, se o chefe mudar de time.
O sonso pensa no futuro!
O sonso não gosta muito de emitir suas opiniões, justamente porque sabe que elas precisam ser voláteis. Temem dizer alguma coisa que possa prejudicá-los, ou aos seus interesses, caso as coisas mudem no futuro. Lembram-se daquele antigo programa de humor, que em um dos quadros falava da relação entre um funcionário e seu chefe? Toda vez que o chefe pedia uma opinião, o sonso retrucava: “O que o senhor acha?” Daí, logo após o chefe expressar seu pensamento, o sonso repetia: “Tirou daqui!”, apontando para a própria cabeça. Desta forma, o sonso estava sempre de bem com o chefe.
E é assim que o sonso cai nas graças de todo mundo: sendo cordato, bonzinho, discreto... dissimulado.
O sonso sempre carrega uma caixinha de fósforos no bolso. E quando o circo pega fogo, ele culpa o palhaço.