Todos os dias abrir as janelas do quarto e olhar os passarinhos na árvore. Pegar a borda da saia de um sonho fugidio que fez parte da minha noite, e tentar desvendar seu significado, só para vê-lo se esconder entre as urgências do dia.
Mas hoje, não há mais nenhuma urgência. Pego esse sonho e o puxo pela mão; nos sentamos juntos e eu falo com ele. Ele me ensina a interpretá-lo, e leio sua profecia.
Todos os dias fazer o café e depois lavar a louça deixando que a espuma escorra devagar sobre as mãos que estão sob a água gelada. Mesmo no inverno, sempre prefiro lavar a louça com água gelada. Ela me desperta. Enxugar, guardar. Varrer o chão da casa. Porque todos os dias, a poeira vai descendo lentamente e se acumulando sobre a vida, sobre as coisas, sobre os pensamentos. Haja vontade para soprá-la para longe, mesmo nesses tempos em que nada é urgente, e ninguém vai chegar para olhar a marca esbranquiçada sobre a mesa da sala de jantar.
Todos os dias planejar o que fazer para o almoço, pois a fome não conhece tempo. Sentar-se à mesa e fazer uma refeição sem saber se ou quando ela se tornará escassa. Cada garfada é um agradecimento, uma reflexão, uma pequena ânsia.
Todos os dias ir lá para fora e brincar com os cães. Eles correm atrás da bola, o vento erguendo seus pelos macios, sorrisos nas carinhas alegres que estão vivendo única e exclusivamente para o momento presente, sem pensar em um futuro que, para eles, não existe e nunca existiu ou existirá, e assim, eles me trazem para este momento junto com eles. Rolamos na grama, ausentes de nós mesmos.
Todos os dias planejar também o lanche da tarde, o jantar. Cuidar da roupa, lavá-la, estendê-la ao sol para secar lentamente, passá-la e guardá-la nas gavetas e armários. É preciso continuar.
Amanhã vai ser outro dia?
Todos os dias ir dormir sem saber de nada. Um sonho e um pesadelo aguardam a noite, escondidos na fronha que cheira a sabão em pó.