EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos





EIS A CRÔNICA:

Quando Você se For (When You’re Gone)
 
Era uma feira de agropecuária em Leopoldina, Minas Gerais. Eu, duas de minhas irmãs e seus namorados tínhamos saído em uma excursão num sábado à noite para que chegássemos logo de manhã cedinho e pudéssemos visitar uma fazenda e a cidade de Leopoldina. Éramos ‘farofeiras’ de carteirinha, com direito a cantoria no fundo do ônibus e tudo, e para pessoas como nós, as excursões eram a maneira mais fácil e barata de viajar e conhecer outros lugares. 

Chegamos em Leopoldina ainda de madrugada. Não se via um palmo adiante do nariz, de tão escuro que estava. O dia foi infernalmente quente, e nós, que viajáramos do frio petropolitano usando  conjuntos de moleton, tivemos que pagar um quarto de hotel para tomarmos banho. Passamos o dia andando pela cidade, e à noitinha, fomos à feira.

Havia um parque de diversões com direito a roda gigante, carrossel e trem fantasma. Aquela foi minha primeira e única vez em um trem fantasma, pois a garota que foi no mesmo carrinho que eu gritava e agarrava tanto o meu braço, que eu me arrependi de ter ido.

Em um certo momento, anunciaram a apresentação de uma banda – não me lembro se era uma banda local ou não. Por um acaso, nós estávamos parados junto ao palco improvisado – no fundo, a roda não tão gigante – e pudemos assistir ao show bem de pertinho. Havia aquele burburinho característico de parque de diversões e também aquela música de fundo, que foi desligada antes que a banda começasse a tocar.

A banda consistia em um guitarrista, um baterista, um tecladista e uma cantora, que aparentava ser da idade da minha irmã – uns dezessete anos. Olhei para ela: ela sorria e brincava com as pessoas da banda, totalmente despreocupada. Usava uma jardineira jeans, tinha cabelos castanho arruivados e não era especialmente bonita, mas muito magnética, apesar de ser apenas uma adolescente riponga. Quando anunciaram a música que ela ia cantar, eu engoli em seco: pensei: “Ela não vai conseguir. Coitada, vai passar a maior vergonha.” Eu só tinha quatorze anos, não falava inglês direito, mas conhecia a canção e sabia o quanto ela era difícil, com notas altíssimas e uma letra complicada.

Tratava-se de “When You’re Gone,” de Maggie Macneal (deixo o link aqui para quem não conhece a música). A canção era tema da personagem Carolina, de Renata Sorrah, na novela Casarão da Rede Globo, e portanto, muito famosa.

A canção começou, e assim que os primeiros acordes tocaram, a menina deixou de lado as brincadeiras e ficou bem séria. Estava indo bem, pensei. Mas eu temia pelo seu possível constrangimento e pelas vaias que ela levaria durante os primeiros agudos. 

Só que não.

De repente, a menina deixou de cantar a música, simplesmente, e transformou-se nela. Eu – e todas as outras pessoas – não conseguíamos tirar os olhos dela. Não parecia uma adolescente, mas uma mulher madura que se entregava completamente à canção. Foi inesquecível. Quando ela terminou, houve um momento de silêncio antes que começássemos a aplaudir, e ela abriu os olhos e virou a adolescente brincalhona novamente.


Não sei o que aconteceu com ela. Não sei se seguiu carreira cantando, se virou dona de casa, advogada ou professora primária, ou sequer se ainda está viva. Só sei que a vida às vezes nos prega peças encantadoras e inesquecíveis, que se transformam em momentos de puro encantamento. Ela nem sabe que eu existo, e nem desconfia que me causou uma impressão tão forte a ponto de me fazer lembrar dela e escrever esta crônica 46 anos depois.

Link para a canção:


https://www.youtube.com/watch?v=uhCX0BinDbc

EIS A MENSAGEM DE PÁSCOA, em meu canal no Youtube - Contém uma história pessoal:



https://youtu.be/0Dmz1hWfyTg



 
 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 12/04/2020
Alterado em 12/04/2020
Comentários
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Jacó Filho
Genial e surpreendente mestra! Parabéns! E que Deus nos abençoe e nos ilumine... Sempre...
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Ferreira Estêvão
Boa tarde, amiga escritora. Confesso que já tive essa impressão. Há canções e intérpretes cujo conteúdo ou o desempenho nos arrepiam (no bom sentido). São aqueles que permanecem no nosso imaginário, que mesmo mais tarde nunca esquecemos. Parabéns pela sua original crónica, amiga Ana. Tudo de bom, sempre. Cuide-se. Abraço de amizade.
M
My Guel
Boa tarde Poetisa! " Recordar é viver"A alma poeta desabrochar em fatos marcantes! Saudações
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Silvanio Alves
Às vezes, a primeira impressão nos engana e somos surpreendidos, poetisa! Bela e inspirada recordação contida em tua crônica! Feliz páscoa!!
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