Dizem que ninguém volta com todas as partes que tinha quando se foi. E também que quem volta, traz consigo outras partes agregadas pelo caminho. Assim pensava Suzanna enquanto olhava a paisagem que passava rapidamente pela janela do trem. Ela imaginava o que teria mudado durante todos aqueles anos durante os quais vivera fora de sua cidadezinha natal, depois da morte dos pais. Pensava se a casa fechada teria resistido ao abandono – casa é igual a gente, também morre de tristeza e solidão.
Seu tio Raul prometera tomar conta de tudo para ela enquanto ela estudava na cidade grande para tornar-se advogada. Mas mesmo com todos os cuidados, a casa era antiga: resistira?
Finalmente, depois de pegar a chave com o tio, Suzanna parou em frente à porta da casa. Tinha quase certeza de que ela estava feliz em revê-la. Quanto a Suzanna, tinha medo do que aconteceria quando a casa descobrisse que estava ali para despedir-se: iria vende-la. Naquela tarde, ela sentou-se no alpendre, xícara de café na mão, olhando a chuva cair e lembrando de muitas outras tardes como aquela, quando ela sentia que cabia perfeitamente naquela casa.
Aos poucos, sentia que a casa também se despedia dela; afinal, tornara-se uma estranha. Já não via magia naqueles cômodos, só saudades e tristeza. As partes que trouxera não cabiam entre aquelas paredes, e as partes que deixara para trás tinham se perdido para sempre.
Suzanna levantou-se do alpendre e preparou-se para sua última noite naquela casa e naquela cidade. Lá fora ainda chovia. Em alguma parte dentro dela, choveria sempre. Na parede do quarto, em uma fotografia amarelada, alguém zelava pelo seu sono.