Acostumara-se a caminhar sempre devagar, tentando não fazer barulho sobre a solidão e a privacidade alheias. Sem maior medo era causar algum aborrecimento. Desde pequena, ouvia a mãe sempre dizendo: “Seja uma boa menina! Não deixe as pessoas zangadas com você.” E assim, Helena cresceu recitando esse mantra: “Seja uma boa menina!”
Quando se casou, fazia de tudo para agradar ao marido: cozinhava sua comida preferida, não interrompia nunca se ele estivesse assistindo ao seu jogo predileto, não pedia sua ajuda com as crianças ou os afazeres da casa e procurava estar sempre disponível para tudo – eu disse para tudo mesmo.
Até que um dia, ela acordou. A passos largos, decidiu galgar os degraus da sua independência emocional. Foi preciso que ela fosse traída, ferida, deixada para trás. Foi necessário que os filhos crescessem e deixassem de procurar por ela, já que não mais precisavam da sua ajuda, e o marido a trocasse pela secretária vinte anos mais jovem. Um cliché: assim tinha sido a sua vida. Mas nunca era tarde para recomeçar.
Helena tomou um banho de loja, fez um tratamento de beleza e perdeu os cinco quilos que a separavam da esbelteza. Arranjou um bom advogado e partiu em busca dos seus direitos, reivindicando a metade de todos os bens após o divórcio. Voltou a trabalhar e fez amigos – seus, não mais “dele.”
Um dia, enquanto almoçava sozinha no shopping, o telefone tocou; era um dos filhos. Com certeza, estava precisando de alguma coisa. Helena respirou fundo e deslizou na telinha do telefone: “IGNORAR.”