EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos

O VESTIDO PINK

 

“Esta é a cor que sobrou para você, Anita,” disse a noiva a uma das  madrinhas. “Todas as outras cores já foram escolhidas pelas demais madrinhas: azul, cinza, dourado, rosa-claro, verde, marinho, amarelo, lilás, laranja... e eu não quero ninguém usando preto, bege ou branco, a não ser eu mesma, vocês sabem.”

A cor que tinha sobrado era rosa pink. E Anita detestava aquela cor. Ela a deixava ainda mais pálida. Sentia-se como um papel de bombom Sonho-de Valsa toda vez que alguém insistia para que ela experimentasse alguma coisa naquele tom. Achava a cor cafona, chamativa e feia.

Anita tinha sido convidada para ser madrinha de casamento de Julia, sua prima, junto com seu primo Fábio, irmão da noiva, e aceitou imediatamente. Sentiu-se honrada – até que descobriu, alguns minutos mais tarde, que Julia havia chamado doze casais como padrinhos. Enfim, ela não era tão especial assim. Segundo a própria Julia, queria um altar cheio de gente jovem e bonita, colorido e festivo. Anita achou a explicação um tanto frívola, mas como já tinha dito ‘sim’, achou melhor ir em frente.

E Julia passou às mãos dela uma amostra do tecido – um cetim brilhoso, daqueles que emitem ondas de luz sempre que quem o está usando se movimenta. O tom de rosa pink era terrivelmente forte, “rosa-cheguei”, como ela costumava dizer sobre cores que chamavam muito a atenção. Ela tentou argumentar:

-Mas... Julia, não dá para ser um tom mais suave?

Julia, que estivera discutindo detalhes dos vestidos com as outras madrinhas, olhou na direção dela e disse rapidamente:

-Não! A Sandrinha já vai usar rosa-claro, e fica muito parecido.

Julia tentou contra-argumentar:

- Mas não tem mesmo outra cor? Ou será que alguém quem trocar de cor comigo?

Uma das madrinhas respondeu:

- Anita, entra no clima! O casamento é da Julia, é ela quem decide.

Fez-se silêncio entre as madrinhas após aquele comentário dito em uma voz fria e irritada, e Julia achou melhor ficar calada.

Saiu da reunião com a amostra do tecido na bolsa e o nome da loja onde ele poderia ser encontrado. Carregou também o peso de uma dor de cabeça fininha que começava a arder em seus olhos, tanto pelo comentário da outra madrinha quanto pela ideia de ter que vestir aquela cor horrível e ainda ter que pagar caro pelo tecido e pelo modelo do vestido, pois até mesmo a costureira, uma das modistas mais caras da cidade, tinha sido determinada pela noiva: “Eu quero que os vestidos sejam feitos no ateliê da Madame Cynthia, pois nela eu confio.”

Naquela noite, Anita não dormiu bem. Teve pesadelos nos quais corria assustada de um vestido rosa-choque que tentava obrigá-la a vesti-lo, e de repente, o vestido pulou sobre sua cabeça e começou a descer pelo seu corpo, apertando-a até sufocar.

Ao ir até a loja, descobriu que teria que gastar parte de suas economias no tecido; logo agora, que finalmente tinha conseguido juntar algum dinheiro. Bem, pelo menos poderia escolher o modelo: seria algo simples e discreto, que talvez pudesse dar alguma elegância ao vestido.

Ao chegar à modista com o tecido horroroso embrulhado em papel pardo, começou a dizer como queria que o modelo fosse confeccionado, mostrando a Madame Cynthia uma fotografia que recortara de um figurino. Madame Cynthia a interrompeu:

- O modelo já foi definido pela noiva. É este aqui.

E mostrou a ela uma fotografia na tela de seu celular.

Ao olhar a foto, o que Anita viu foi a gota d’água que faltava: o vestido, de um ombro só e uma única manga bufante que terminava em um pompom vermelho costurado em volta do antebraço, tinha a saia longa em babados franzidos, o que faria com que ela precisasse comprar mais tecido. Além disso, era simplesmente horroroso. A modista, ao ver a expressão de Anita, tentou traquilizá-la:

-Não se preocupe, todas as outras madrinhas vestirão o mesmo modelo.

Anita arregalou os olhos, exclamando:

-Mas... mas... ele parece o vestido da Vênus de Milo ao ter o braço amputado! Ele é... é... simplesmente horrível!

Cynthia murmurou:

- É a escolha da noiva. Sinto muito.

Anita respirou profundamente:

- E em quanto vai ficar o modelo?

Cynthia moveu os lábios e pronunciou uma quantia exorbitante, que deixou Anita desequilibrada, e ela precisou arrastar-se até a cadeira mais próxima a fim de se recuperar. Com certeza, teria que pedir dinheiro emprestado aos pais, ou então fazer um empréstimo bancário.

Ao sair da modista, que tirou as medidas de cada parte do seu corpo e fotografou-a em vários ângulos, Anita ganhou a rua movimentada e o rush do final de tarde quente, entrando em seu carro feito um zumbi. Nem se lembrava de como tinha chegado em casa. Passou pelos pais sem responder-lhes e foi direto para o seu quarto, jogando-se na cama.

As semanas que se seguiram foram ainda mais difíceis. Arrependida por ter aceito o convite, Anita não tinha coragem de voltar atrás; o que todos iam pensar dela? Como voltar atrás agora, quando faltavam apenas dias para o casamento? E além de tudo, ela tinha comprado o maldito tecido e pago por metade do modelo. Só lhe restava conformar-se.

A primeira prova do vestido, que aconteceu dias depois, foi ainda mais traumática, pois viu-se dentro da cor repulsiva. Cynthia sugeriu que ela usasse uma maquiagem forte a fim de disfarçar a palidez. A saia do vestido, apesar dos babados, era bastante justa, o que fazia com que ela só conseguisse se movimentar dando passinhos pequenos, feito uma gueixa. Ela odiava aquele vestido! Odiava até mesmo sua prima Julia, por obrigá-la a usá-lo. Sentia-se uma boneca Barbie dos anos 80 um pouco acima do peso. Uma Vênus de Milo sem braço. Uma maldita gueixa.

A véspera do Grande Dia chegou, e ela foi dormir olhando para o vestido, que descansava em um cabide em frente à sua cama. Daria tudo para não ter que usar aquilo em público.

Despertou na manhã seguinte com batidas à porta do quarto. Era sua mãe, que sentando-se na beirada da cama, disse a ela em tom de segredo:

-Não vai mais ter casamento. Julia pegou o noivo com uma das madrinhas na noite passada.

Anita sentou-se na cama, mal acreditado no que acabara de ouvir. Esfregou os olhos, e abraçando os joelhos, pediu que a mãe repetisse o que tinha acabado de dizer.

-É isso mesmo! Ela pegou os dois no sofá da sala de Diana. Tinha ido até lá a fim de levar um colar que ela tinha pedido emprestado. Foi entrando e pegou os dois no maior amasso. Acabou!

A mãe de Anita não entendeu nada ao ver a filha sair da cama e começar a pular e urrar de alegria dentro do quarto, derrubando o vestido no chão e rasgando-o em vários pedaços.

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 04/05/2022
Alterado em 04/05/2022
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