CORTES
Para permanecermos inteiros,
São necessários cortes.
Mesmo que doa, mesmo que
Quase não se suporte.
E o que mais dói, na verdade,
Nem é o sangue que brota
À passagem da lâmina
Que separa,
Não são as escaras que surgem
Após o corte.
O que dói está na alma.
Está na calma aceitação.
Na percepção indiferente
(Ou na não percepção).
Mas mesmo assim, de repente,
Os passos ficam mais leves
E a caminhada flui sem dores,
As bolhas nos pés desaparecem,
E a imunidade da alma
Só cresce.
E um belo dia,
A gente se pergunta
Como conseguia caminhar,
Se arrastar pela vida quase ileso
Mesmo carregando tanto peso.
E até compreendemos
Diante do imenso silêncio,
Que nós mesmos, muitas vezes,
Representávamos o mesmo peso.