EXPRESSÃO DA MINHA ALMA
Tudo aqui é sobre mim.
Textos

A CASA DE D. CELINA

D. Celina era a mãe de nossos amigos de infância, valéria, Léa , Marcos e Amauri. Ela era uma senhora baixinha, sorridente, que usava esmaltes de unha supercoloridos e roupas superapertadas. Sua casa ficava no alto de uma morrinho, dentro da curva, e ocupava o primeiro andar de um prédio de dois andares. Era pequena: a porta de entrada abria direto para um corredor estreito, o chão de piso de ladrilhos hidráulicos, como na maioria das casas antigas. No final deste, havia uma pequena cozinha, onde estava pendurado um daqueles encantadores relógios cuco, e eu viva pedindo a D. celina que fizesse o cuco sair. Sem se aborrecer, ela sorria, mexia nos ponteiros e eu ficava olhando o pequeno passarinho, e ela repetia várias vezes, até que dizia: "agora ele está cansado. Precisa dormir." À direita, próximo a porta de entrada, ficava o quarto de dormir dos meus amigos. Eles dividiam o espaço, dormindo em duas camas marquesas. Havia uma grande porta de duas folhas, que ficava bloqueada por uma das camas, mas que era aberta em dias de festa, quando se afastava a cama. Depois deste quarto, ficava o dos pais. Não havia sala de estar.

Mas a casa de D. Celina era o refúgio de todas as crianças e adolescentes do bairro, pois ela era a única que não se incomodava com nossa presença, pelo contrário: gostava de ter sua casa sempre cheia de crianças e adolescentes.

Lá, nós organizávamos nossas festinhas das noites de sábado. Cada um levava uma coisa: discos, pão para cachorro quente, salsicha, refrigerante, cerveja. D. Celina, quando podia, às vezes colaborava com alguns docinhos miúdos e Ki-suco.

Muitos de nós vivemos nosso primeiro beijo durante aquelas festas. E também, nossas primeiras desilusões amorosas e amores platônicos. Quando crescemos e passamos a nos reunir para dançar no clube da cidade, o espelho do quarto de D. Celina era disputado por meninas adolescentes, que cheiravam a chiclete de tutti frutti e Mauá Verdi. Batons e lápis para olhos eram passados de mão em mão, sombras e blushes eram compartilhados. Depois, a escova de cabelo, o secador, as blusas emprestadas. Era a época da novela Dancin' Days, e eu tinha cabelos compridos e escorridos, com franja, e fazia trancinhas finas com mechas de cabelo, como a Marisa (personagem de Gloria Pires) da novela. Os meninos compartilhavam o Neutrox -1. Gostavam de destacar os cachos e ondas dos cabelos, como o Lauro Corona. E lá íamos nós, coreografias ensaiadas, dançar no Som do Serrano!

Fico me perguntando como cabia tanta gente naquele quarto-sala tão pequeno.

Mas nós crescemos. Cresceu também a distância, imposta pelas necessidades da vida de cada um. Alguns mudaram-se, outros morreram. Alguns são felizes, outros levam vidas amargas. Alguns sonhos foram realizados e outros morreram pelo caminho.

A casa de D. Celina continua lá, embora ela já tenha morrido há muito tempo, e outra família esteja ocupando a casa. Mas sempre que visito minha família, que continua morando no mesmo bairro, eu passo por lá, e sempre tento esticar a cabeça um pouquinho mais para fora da janela do carro, a fim de , quem sabe, dar de cara com uma daquelas pessoas que ficaram tão longe, no passado, talvez eternamente jovens...

 

 


 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 18/07/2025
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